[Resenha] Todo Dia

by - junho 02, 2015

Todo Dia
Autor: David Levithan
Publicação: Galera Record

Oie Oie! Tudo bem com vocês?
Que tal falarmos hoje do livro que todo mundo leu a anos luz, exceto eu?
Todo dia é um livro complexo de se falar, não pela história em si, já que ela tem uma mecânica muito fácil e muito previsível, mas sim pelo peso psicológico que cada página traz e praticamente grita na sua cara.
O livro nos trás a história de "A", isso mesmo seu nome é "A". Não que ele tenha sido batizado com esse nome, simplesmente se intitula assim para manter a sanidade e conseguir separar o que ele é e o que vive cada dia. "A" nasceu inexplicavelmente, pois ele não tem um corpo, não nasceu de um homem e uma mulher, ele não foi gerado, apenas existe e não tem uma explicação lógica pra isso. Todos os dias a 16 anos acorda em um corpo diferente, de uma pessoa diferente com a mesma idade que ele tem. Não é homem, nem mulher, não gosta de meninos ou meninas, está sempre a mercê do corpo que o hospeda, vive uma vida emprestada a cada dia.


"Acordo. Imediatamente preciso descobrir quem sou. Não se trata apenas do corpo - de abrir os olhos e ver se a pele do braço é clara ou escura, se meu cabelo é comprido ou curto, se sou gordo ou magro, garoto ou garota, se tenho cicatrizes ou não. O corpo é a coisa mais fácil a qual se ajustar quando se está acostumado a acordar em um corpo novo todas as manhãs. É a vida, o contexto do corpo, que pode ser difícil de entender.
Todo dia sou uma pessoa diferente. Eu sou eu, sei que sou eu, mas também sou outra pessoa. 
Sempre foi assim."
(Página 7)

Somos convidados pelo autor a acompanhar cada dia do personagem, começando pelo dia 5.994. Ao abir os olhos "A" precisa acessar todas as informações necessárias no cérebro do seu novo corpo, descobrir seu nome e sua rotina. Hoje seu nome é Justin, um jovem pelo qual automaticamente não existe nenhuma empatia, percebemos que Justin não é uma pessoa muito agradável, mas "A" não pode escolher em que corpo vai acordar, então decide aguentar o dia da melhor forma possível, afinal, são apenas algumas horas até acordar em um novo corpo. A rotina segue tranquila, até Rhiannon, a namorada do Justin aparecer. Ele percebe que algo a está deixando chateada, e mesmo apenas estando ali por um dia, decide fazer algo pra deixa-la mais feliz, independente das possíveis consequências do dia seguinte. Mesmo parecendo uma ideia maluca, os dois fogem até a praia a fim de fazerem algo divertido, para terem um dia só pra eles, para Rhiannon Justin está apenas tendo um dia bom, para "A" todas as regras que ele impôs a si mesmo de não interferir na vida do seu hospedeiro estão sendo quebradas. O dia mexe infinitamente com os dois, porém para ele a experiência é única e não seria novidade em dizer que "A" se apaixonou completamente pela Rhiannon.

A sinopse nos deixa nesse impasse, e então, o que vai acontecer a partir daí? Será que existe algum futuro pra esse amor? E se a Rhiannon descobrir que o Justin não estava sendo exatamente o Justin naquele dia? E se o "A" contar a verdade a ela? Será que ele deve contar mesmo? E como ela vai reagir ao ver a mesma pessoa com uma aparência diferente todos os dias? Garanto que essa é a parte mais superficial do livro, pois, encontramos outros questionamentos muito mais pesados na leitura. Com essa mudança de corpo, todos os dias nosso personagem precisa lidar com problemas diferentes, problemas que não são seus, mas que estão sob sua responsabilidade naquele momento. A leitura te liga diretamente a mente de "A", como ele não tem forma, sua essência é aquilo o que ele pensa e sente, mas afinal, não deveria ser assim que deveríamos olhar pra todas as pessoas? Independente da forma que elas se pareçam? Aquele comentário de "brincadeira" tem diversos efeitos distintos em várias pessoas, você pode até sorrir, mas será que o alvo das palavras não está sendo machucado por dentro? Mesmo tendo um pensamento "equilibrado" nosso personagem sente e nos faz sentir na pele o que certas palavras podem fazer ao psicológico de alguém. Todos nós temos fraquezas e é quase impossível que algumas das situações não te façam refletir sobre algo que você fez com alguém ou alguma situação pela qual você passou, e acredite, me senti levando uma tapa no rosto em algumas situações que eu não tinha parado pra pensar ainda. Não adianta dizer que não temos pensamentos preconceituosos as vezes, porque sabemos que temos, não adianta fingir, o autor também sabe disso, tanto que até o próprio "A" tem essas conversas francas com ele mesmo.

"Sinto culpa por ficar aliviado em voltar a ter um tamanho normal na manhã seguinte. Sinto culpa por perceber que, embora antes eu não ligasse para o que outras pessoas pensavam, ou para como outras pessoas me viam, agora tomo consciência disso, agora estou julgando como elas (...) Acho que isso está me fazendo ficar parecido com todo mundo, mas sinto que alguma coisa está se perdendo também."
(Página 238)

Outro ponto importante que o livro aborda é o fato da família, todo mundo que já foi adolescente e já passou pela fase da "aborrecência"sabe do que vou falar. É aquela fase que você não é criança pra ter de volta a inocência e também não é adulto pra poder tomar suas próprias decisões, então os principais alvos acabam sendo os seus pais. O "A" não tem pais, não tem família, nem amigos, não tem um lugar pra chamar de casa, então o David acerta em cheio e direciona até o público o valor das pessoas que estão a nossa volta, seria impossível não dizer que caiu um cisco no meu olho.

"É por isso que estou chorando (...) Sei disso a algum tempo, mas você pode saber de algo durante anos sem que isso realmente o atinja. Agora está atingindo. Nunca vou ter uma família para chorar por mim (...) Nunca vou deixar o rastro de lembranças (...) Ninguém nunca vai me conhecer e saber o que eu fiz. Se eu morrer não haverá corpo pra me marcar, nem funeral pra ir, nem enterro. Se eu morrer, ninguém saberá que estive aqui."

(Página 231)

Caiu um cisco no seu olho também? Pois é, dá pra dar uma pensadinha na vida não? O livro é excelente e apesar de ser direcionado ao público adolescente mexe muito com qualquer pessoa que esteja aberta aos puxões de orelha do David, afinal, ninguém é tão inteligente que não possa apender. Tenho certeza que você vai se identificar ao menos com um dos dias que o livro nos apresenta, só posso dizer que vale muito a leitura.

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